Eu tenho lutado muito contra essa sua treinada indiferença, espécie pior que a indiferença natural. Antes eu tentava mostrar como suas atitudes me magoavam, certa de que você não percebia. Afinal, a indiferença é a insensibilidade ao que o outro precisa. É a roupa do egoísmo.
Não é fácil entender as necessidades alheias. Sair do fazer para si para amparar o outro, isto é amor. A mãe que tira do seu prato para alimentar o filho. Aquele que esquece o próprio ferimento para resgatar alguém dos escombros. Mas nem é preciso sacrifícios tão grandes. Aquele que não lê, mas presenteia com Saramago e a dona de casa impecável que permite a brincadeira no meio da sala (e com os lençóis novinhos!) também amam.
Agora, depois de compreender que você não consegue me dar isso (nem o Saramago ou lençóis novos) eu queria entender porque as minhas necessidades te incomodam. Eu, que não espero mais que você as preveja; eu que, a você, as explico. Afinal, só precisava que você abaixasse um pouco o volume da TV.
Eu consegui bolsa, seu salário não paga meu curso. As camisas estão passadas e a louça lavada. Não estou mais contando das minhas aulas, já que isso te irrita. Eu fecho a porta do quarto para estudar e você vê TV. Você assiste nesse volume absurdo. Eu já pedi pra você diminuir o volume sobre mim. Você resmunga e não diminui.
Eu fiz arranjo no serviço para trabalhar meio período e estudar de manhã, pois meu retorno meia-noite te incomodava. Deixo o menino na minha mãe aos sábados, já que você “Merece descanso e não vai ficar olhando criança enquanto eu estou folgada.” Folga eu não tenho nenhuma, mas fico quieta. E quieta fico porque quero paz. A paz não vem.
Não há criança em casa nesta tarde, fora de lugar há apenas o tênis que você deixou na sala. Você vê TV e eu tento estudar. Eu me fecho e uso tampões, pois agora sei que você não vai diminuir esse volume opressivo.
Onde eu errei para não merecer de você o silêncio da TV ou a luz acesa de manhã?
Se levanto às 5h da manhã para estudar – já que de noite tenho afazeres domésticos –você brada contra a luz acesa na cozinha, que te atrapalha o sono. Mesmo com a porta fechada, mesmo a cozinha estando tão longe do quarto.
Nunca esperei flores ou grandes jantares, eu só queria que você me desse silêncio.
Nas vezes maravilhosas em que você não está em casa, quando eu não preciso me privar da companhia do nosso filho para estudar, ele também vê TV.
Ele, só oito anos, abaixa o volume da TV. Você não diminui seu volume.
(Escrito em julho de 2012. Revisado e alterado em junho de 2017 para participar da coletânea do prosa do Mulherio das Letras 2017.)