Ela vai falando, falando e a outra ela ouve, às vezes não ouve, às vezes responde porque recusa o monólogo e a resposta é mal recebida com um “Não é isso, você não entendeu” estúpidos. E é muito estranho um sentimento em voz alta ter como recepção “Você não entendeu” “Não é isso”. Como a emoção de alguém pode não ser certa?
A outra ela é sempre corrigida no que sente. A boca de batom com dentes bem cuidados fala sobre o que vê, o que fez das horas, fala sobre o dia da primeira ela, e a primeira ela gosta de ouvir o que estas bocas e dentes têm a considerar sobre o mundo e ela, a primeira, a que nunca se cala.
No momento que a outra ela deixa escapar por entre muros as gotas coloridas que escorrem do seu olhar o “Não, não é isso” é mão que tapa a boca do sorriso e a nudez da sua alma se dobra sobre si como um corpo que não dança.
A outra ela já não tenta mais. Recorda que o seu lugar ali é o de orelha. A boca se cala e fala o esperado e o olhar se volta para campos de vegetação rasteira, de uma leve névoa, com seus chalés de inverno…ou para a praia. A outra ela gosta muito da praia. Agora, neste momento, a primeira ela pede, de novo, que a segunda repita uma observação inteligente que esta fez do cotidiano daquela. Enquanto fala, autômato, da vida da outra, a outra ela enxerga, deantre de si, a enseada e o forte de Copacabana.
(Agosto de 2016)