Era uma sala, entre tantas salas. Era uma conversa, entre tantas. Era a mesma sala de sempre e uma das nossas tantas conversas. Há anos, o mesmo tom de conversas.
Era simplesmente mais um dia de risos e ideias, mais um dia de projetos e piadas, mais um de relatos, chacotas e desabafos. Era eu de sempre e você de sempre. Você, o menino de sempre.
Eram cinco da tarde. Era a sala de sempre.
Eu não me lembro em que momento, eu não me lembro qual foi a exata frase que escapou da sua boca de mão dada com a sua alma, e eu vi. Eu só me lembro que vi, abriu-se uma fenda no chão, o relógio marcava infinito, você continuava sorrindo ideias, o seu espírito começou a dançar pela sala: a meninice revelava o homem.
Eu vi o momento em que o instante se expande, eu vi o homem. Eu vi o homem em você que eu não sabia que existia, que talvez nem você saiba que já existe.
Eu vi o homem e eu não podia ver o homem. Porque te classificar como menino marcava a distância segura entre a amizade e o desejo. Eu não posso te desejar porque você já é o homem de alguém.
Não, minto. Não foi de um dizer que saltou seu espírito, ele veio galgando frase a frase os degraus de saída e eu não quis perceber. Eu tentei não perceber, eu não queria acreditar, tanto que negava sua fala, o interrompia dizendo “Mas você não pensa realmente isso…”, “Você não acredita nisso” eu tentava achar em ti uma incongruência, uma paradoxo ou até uma hipocrisia, não para te denegrir (todos somos paradoxos e exercemos hipocrisias), mas para me salvar… me salvar de te amar.
Você não me salvou. Com minhas interrupções provocativas, quase ultimatos, eu esperava um gesto brusco, uma resposta ríspida… mas você parou, respirou, e disse que eu tinha razão, mas que você estava se colocando em um processo de realmente agir de acordo com o que me dizia e se descortinou “Eu estou tentando”.
Me desarmou. Eu vi seu processo sincero, eu vi seu crescimento através de um entender claro e honesto sobre si mesmo, como gota que evapora e se quer filtrada como chuva, e foi aí que eu vi seu espírito preenchendo a sala, a fenda e o infinito. Era impossível continuar a negar.
Eu vi, e eu sei o que senti. Percebi em mim a atração virando sentimento. Percebi, mas não consegui parar este processo. Fui agraciada com a consciência do que via e do que sentia, no momento em que tudo acontecia, mas não era possível agir sobre isso. Eu era consciência passiva dos acontecimentos.
Assim, parada, extasiada, apenas continuei te ouvindo, prestando atenção em ambos os acontecimentos: o concreto e o etéreo. Te olhava de frente e espiava a fenda, o espírito e o infinito.
Disfarçando o meu desconcerto fiz gracejo tentando tirar de mim e do ambiente a importância daquele momento. Em vão. Apenas sei que consegui que você não percebesse nada.
O palpável se tornou de novo a realidade e continuamos a conversar, o relógio marcava cinco e meia. Hora de ir.
Fomos. Cada um com seu rumo e seus afazeres. Mas levei comigo o infinito. E eu não sei o que fazer com esse infinito. O infinito não cabe em mim.
Tenho-o disfarçado de ti e de todos, mas não é possível negá-lo. E toda vez que você me chama ou vem conversar comigo é uma alegria e uma dor, porque aquilo que a gente vê na fenda do espaço e na brecha do tempo não se torna novamente invisível… e deveria, já que não é viável.
Comecei a pensar que mesmo que não houvesse impedimentos externos, algum tipo de relação amorosa entre nós não seria saudável. Afinal é isso que a gente faz com o amor indesejado, a gente o aborta com racionalizações.
Dos problemas, o primeiro é que o seu lado ainda imaturo poderia, sem querer, me magoar. Afinal, bem poucos frutos seus estão no ponto e a sua inflorescência não iria me compreender (o que é ser jovem senão ser alguém de uma existência com poucos ou nenhum fruto maduro?)
Poderia também acontecer de eu querer extrair de ti o que ainda está verde, ou você esperar de mim o que já apodreceu. Eu, uma safra de extremos: poucos frutos não maduros e vários brotos que talvez nunca floresçam.
A verdade é que eu não me perdoo. Não me perdoo por estar quase a amar alguém de outrem. Não me perdoo por cogitar amar um quase-menino. Eu, que espero homens.
(Abril de 2013)