Texto de Ana Elisa Ribeiro, para usar em aula (postado aqui para fins práticos)

 

 

Ponto, parágrafo

Defina “parágrafo”. Minha memória vive me traindo, mas às vezes me vem um lampejo de alguma aula lá do ensino fundamental, em que uma professora – geralmente foram mulheres – tentava nos ensinar, com noções e definições – e escassa prática, o que era um parágrafo. Depois de anos a fio pelejando para entender e, principalmente, para executar um bom parágrafo, eis que finco os pés no ensino superior e começo a ter aulas de texto acadêmico, gêneros científicos, etc. Quando foi a vez de aprender o tal do resumo, aqueles que as revistas e os congressos exigem logo à testa dos artigos, a professora, cientista e publicadora tarimbada, afirma para uma turma incrédula que o resumo é, normalmente, um blocão só de texto, sem abertura de parágrafo. Fui solidária ao sofrimento dos/as colegas. Poxa, tanto investimento… para isso? Fato é que, até hoje, uma das coisas que “corrijo” em artigos que vêm com resumos é a paragrafação – ou a exclusão dela. Nas aulas de texto acadêmico que ministro, em especial para a área de Exatas, preciso insistir na ideia do blocão, ao que os/as estudantes atendem mal. Lá vou eu marcar com setas e palavrinhas curtas o parágrafo que não deveria estar ali. Mas, voltando ao aprendizado do parágrafo, trata-se de uma abstração já antiga, mas que ainda nos pega pelo pé. A língua escrita criou convenções e formatações que nos deixam meio perdidos/as, na hora de aprendê-las – e, eventualmente, desaprendê-las. Ao que sabemos, no entanto, a ideia era facilitar. O que sentimos quando vemos uma massa de texto compacta, sem interrupções e respiros? A ideia de separar palavras e de paragrafar tem a ver com tudo: o significado, a respiração, o intervalo no assunto ou uma leve mudança nele, um giro, um ângulo, o sossego dos olhos e da mente. Mas não é trivial, na hora de aprender. [Você, leitor ou leitora, concorda com a divisão de parágrafos que fiz neste texto sob seus olhos? Como faria? Ou tentou redividir e acabou voltando atrás? Já tentou o exercício de paragrafar blocos de texto compactos?] Recentemente, revisei um belo romance. A autora me autorizou não apenas a “caçar erros”, tal como se entende a tarefa básica do/a revisor/a, mas a dar palpites de maior monta. Uma das coisas em que resolvi interferir foi na paragrafação. Em vários momentos do texto, eu tinha a impressão de que a endentação que costuma marcar o parágrafo, tal como geralmente aprendemos nas escolas do Brasil, interrompia um fluxo que ainda poderia continuar. A questão é: isso gera, no/a leitor/a, uma expectativa. Errada, no caso. Em outras situações, acontece o contrário: um texto contínuo, excessivamente contínuo, precisa de cortes, interrupções, mudanças de fôlego, a serem marcadas então com espaços e endentações. É claro que a pontuação faz um pouco esse papel, isto é, o de ajudar na marcação, no ritmo, na cadência, sem mencionar seu fundamental papel sintático e mesmo semântico. Mas os espaços (brancos) e as endentações são também elementos fundamentais dos textos, embora nem sempre tenhamos aulas sobre eles. Deveríamos. Nos poemas, espaços e endentações, formatações e cortes são parte do que se quer dizer ou não se quer. Poemas costumam ser identificados como tais antes mesmo de serem lidos. A imagem de umpoema é, antes de palavra, forma gráfica, massa textual. Mas são raras as aulas sobre os silêncios representados ou as pausas marcadas a espaços. Geralmente, nossas aulas de texto literário focalizam o preto, a letra, a palavra, o dito. Fundamental, no entanto, entender de não-dito, de entrelinha e de verso, na leitura de poesia. Nem vou me deter na poesia concreta, por exemplo. Vocês podem tirar suas conclusões. No texto em prosa, os espaços também não são desprezíveis. Infelizmente, de novo, damos mais corda à massa impressa (ou digital). E entender a mecânica de uma mudança de parágrafo é da ordem de uma abstração cognitiva, de uma torção que é dificílima de explicar. Tente. Reparem que minha mira aqui está voltada à marcação do parágrafo, mas não escondo minha preocupação com a compreensão de como decidir por abrir um ou não. Quem nunca teve uma aulinha de “tópico frasal”? Falei, uns tantos parágrafos atrás, na maneira como geralmente aprendemos sobre parágrafos, aqui em Pindorama. Acho bom e confesso que preciso dos nossos parágrafos. Mas até eles são variados, a depender da cultura e da tecnologia. Já repararam como a endentação marcadora de parágrafo andou caindo de moda depois dos e-mails e de outros gêneros digitais ou de tela? Uma amiga escritora sempre me escreve e-mails com endentações, o que meus olhos estranham muito ali, mas que não estranham numa folha impressa ou de Word. Meu pai, exímio datilógrafo, tenta endentar até em mensagens de WhatsApp. Não se conforma. E o compreendo. São tipos de marcação de parágrafo:

o tradicional é esse que a gente aprende na escola e usa quase sempre, ao longo da vida. Já vi ser chamado de parágrafo “espanhol”. Trata-se de uma endentação que deixa a primeira linha mais curta, à esquerda, do que as demais. Há, no entanto, outras formas de marcar.

O parágrafo “americano” ou “alemão” é esse que ficou comum, em especial nas telas e em plataformas digitais, isto é, não há endentações em primeiras linhas, mas espaços maiores entre blocos de texto. Isso parece confortável, hoje, em muitas ocasiões. De fato, é um respiro e tanto.

Já o “francês” faz o contrário do “americano”: deixa a primeira linha comprida e todas as de baixo mais curtas, endentadas. Para nós, parece esquisito que só. Mas já vi usarem por aí.

Essas denominações “espanhol”, “francês”, etc. têm relação com as origens dessas formas e soluções que vêm junto com remotas histórias do impresso e mesmo do manuscrito. Não vou recuar tanto. O que me interessa aqui é esse aspecto visual tão desprezado, tão pouco tratado, mas tão importante; e o aspecto semântico e cognitivo que nos faz, na prática, ir “sentindo” onde acaba um parágrafo e começa outro. Atrapalhar isso é, também, para quem sabe, não para quem quer. Ponto, parágrafo.

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