Qual técnica desnuda o apontar do olhar ?

 

Pão de Açúcar visto da Baía de Guanabara com escrito à mão "Nem isso, nem o nu"
Pão de Açúcar visto da Baía de Guanabara

 

Passeio de escuna no Rio de Janeiro, tiro a foto do Pão de Açúcar visto da Baía de Guanabara.

A foto fica ruim. Tenho uma certeza e uma dúvida. A certeza é de que preciso de uma máquina fotográfica decente,  o celular não satisfaz:  a câmera não mostra o que eu vejo.

A dúvida é: quem afinal vai se interessar por outra foto do Pão de Açúcar?

Mas já  me respondo, o interesse é motivado por ser outro o foco.

É o Pão de Açúcar visto do mar.

Arte: instrumento para que o que o artista vê  seja visto por outros.

Arte não é trazer o incomum, é mostrar o que é visto todo dia de outro modo.

Trazer um olhar que motiva olhares.

E de novo me lembro de Galeano[1] com sua história do menino que nunca tinha visto o mar:

E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente  conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

– Me ajuda a olhar!

A função da arte é ajudar a olhar.

Apontar o olhar para o comum, por outro foco, é retreinar o olhar.

Mas além de não ter arte na foto porque eu preciso de uma câmera e de curso de fotografia (sim, sou da turma que afirma que arte pede técnica), me pergunto  quantas pessoas,  nessa sociedade de pós-verdades, estão dispostas a retreinar o seu olhar?

Me parece que nem é interessante outra foto do Pão de Açúcar (mesmo que por mãos mais habilidosas) e nem é aceito o nu performático do museu.

 

[1]  Em O livro dos abraços