Balanço

                Pernas pra frente

                            e o mundo se vai

Pernas pra trás

        e volto ao chão

 

        A física aqui faz ter

        a falsa ideia

        de que se pode controlar

                            os altos

e baixos

 

        Ou a real ideia  de que

                            o ponto mais próximo que se está do céu

                                                                         é vizinho

                                          da volta

        pra terra

 

      O guarda municipal surge.

      Fujo.

      Toda ideia de controle

      Toda carícia num sonho

      Toda volta à infância

      É proibida.

                                                                                              ( Julho de 2007)

Anti-prosopopeia

                               Se eu pudesse ser um artefato

                               eu seria uma ponte.

                               Janelas e portas têm sua poesia

                               mas janelas não dão passagem…

                     ( a não ser para transgressores ou suicidas)

                                e portas são barreiras.

 

                                              Pontes não.

                            Pontes                                   unem…

        Pontes só são obstáculos quando atingidas por alguma catástrofe.

 

                               É um bom objetivo de vida:

                               sempre  aproximar e comunicar

                               e só deixar de fazê-los

                               quando  profundamente ferida no âmago.

                                                                                   ( Janeiro de 2011)

 

 

O grito

O grito parou na garganta e ficou

e ficou

entre o esôfago e o estômago

(ruminante)

a boca abriu

para quê?

 

já não havia espanto.

 

                                                            (algum dia antes maio de 2015)

‘post it’ sobre poesia

minha agenda tem poemas.

irmanados

tarefa e poesia

o datável e o atemporal

o quotidiano e o fingimento

o tributável e o metafísico

uma vida ideal

 

minha agenda de poemas

preenchida com minha letra

mas não com meus escritos

com compromissos

 

minha agenda de poemas

tem poemas comprados

e não os pensados

 

minha agenda de poemas

tem muitas obrigações escritas

muitas coisas a fazer

no dia

na semana

no mês

 

compromissos  que sobressaem

compromissos que transbordam

compromissos que inclusive

soterram a poesia

em urgentes post its coloridos

( Maio de 2015)

Darwinismo

Tenho vivido como crustáceos, na praia,
que ao crescerem, nus, se protegem em conchas
e ficam trocando de conchas…
E as conchas são velhos amigos e velhas verdades,
É o passado, que como casa,
é muito pequeno pra mim.

 

Olho pra trás,
para os rastros na areia,
e sinto culpa e saudades…
Sei que não caibo mais

naquelas ideias e relacionamentos
mas não os deveria deitar fora,
não está certo…

 

Hoje tento ser ostra,
e com todas as conchas deixadas
formar uma única concha.
E nunca mais jogar nada fora.
E nunca mais estar nua.
E, principalmente:
deixar pérolas ao mundo
feitas daquilo que me incomoda.

                                                                                          (2005)

Em que espelho ficou perdida a minha face

Tranquei minha alma num porão

em forma de sonhos

músicas, ideologias e poesias

minhas ou não.

 

E andei muito tempo crua,

sem sombra

pois nada projetava

muito menos iluminava

 

Mas ao reabrir

tal porão percebi

que minha alma

me contornava

a sombra era eu!

 

Como pude viver,

em vida latente,

tanto tempo neste estado

de coma consciente?

                                                   (Abril de 2004)

A meu filho

Nestes sete anos

Eu nunca te escrevi uma poesia

dentre os motivos estariam

eu ter parado de escrever

toda atribulação do seu nascimento

e eu, aprendendo a ser mãe, esposa

e não sabendo mais quem eu era

não tinha tempo de ser poeta.

Mas não é todo o motivo

pois, agora reaprendendo

a relação entre papel e caneta

não tenho vontade de falar de você

Me senti culpada

 

Me lembro de quando seu pai

meu namorado

me perguntou se eu escrevia sobre nosso amor

e eu também não escrevia

me senti igualmente culpada

Escrevi um poema meio encomendado

sincero, mas encomendado

 

A culpa ocorre porque

a poesia seria a máxima expressão do amor

então, não os amaria?

Me ocorreu só agora o engano

a poesia registra tudo sim

e a poesia do amor realizado

existe para mostrar que é possível

 

Mas a poesia espontânea

é aquela que se forma no estômago

sobe pela garganta

e precisa sair

É a expressão das coisas não realizadas

está sempre no pretérito imperfeito

 fala de quem morreu

de quem não viveu

de sonhos utópicos e de ideais sem tijolos

A poesia realmente sentida

é sempre um epitáfio

 

Um dia

se for boa o suficiente

na arte de lapidar as palavras

faço uma poesia documental sobre você

e nela descrevo

o quão você é completo em si mesmo

Mas, por enquanto,

a minha poesia é sobre o que eu sinto

e não do que eu vejo.

 

(Outubro de 2002)

Amor em prosa e verso

Sou poetisa,

escrevo para um poeta.

Difícil escrever

para quem do assunto entende

Os versos têm que ser melhor feitos

(têm que deixar bem claro o que pretendem…)

 

Ah, meu poeta,

(quem me dera você fosse meu)

és a inspiração dos meus versos

e neles desejo

que eu seja a musa dos teus

 

Meu amor por você,

se faz em prosa, verso e gesto

meios de comunicação

nos quais consigo me expressar

porque a fala, ah, meu querido,

se olhando para seus olhos,

eu não consigo dominar.

 

Ah, meu poeta,

nem sabes que escrevo,

assim, é pura ilusão

mas, meu sonho é,

compor a quatro mãos.

(Março de 1994)