Mulheres e Letras

Eu já pensei em escrever um conto que se passasse em um país, ou uma espécie de mundo fantástico, uma república dos artistas.

Em parte baseada na ideia de que se Platão expulsou os poetas da sua República, para onde eles iriam?

Pensei em colocar no conto a contraposição entre uma nação que não tivesse nenhuma arte, só os ofícios que contribuem diretamente para o PIB e outra em que só morassem os artistas.  Como seriam as relações entre esses dois lugares?

E a Terra dos Artistas seria como a Terra do Lá  do Carrascoza[1] lugar de coisas perdidas, você perdeu o sonho, a sensibilidade, a magia? Só fazendo uma excursão para a Terra dos Artistas recupera-se.

Estar no Mulherio me fez lembrar desse embrião de narrativa. Estiveram em João Pessoa, neste feriado passado, para o Encontro do Mulherio das Letras cerca de 500 mulheres que escrevem. A maioria delas é desconhecida do grande público e todas buscam formas de divulgação do seu trabalho.

Arte é isso, um ofício marginal.

Claro que o objetivo do encontro foi debater sobre invisibilidade dos livros de autorAs no mercado editorial e de como furar essa barreira. Mas, de forma geral, ter um ofício relacionado à arte é sempre correr o risco de não exercê-lo.

Porque  a esmagadora maioria de escritoras e escritores, dramaturgas e dramaturgas, atrizes e atores, musicistas e músicos, bailarinas e bailarinos, pintoras e pintores, escultoras e escultores, desenhistas, chargistas, etc  têm que conciliar o trabalho artístico com um outro ofício, um que coloque o pão de cada dia na mesa.

E daí que o trabalho que traz pão tira energia e tempo do trabalho da arte. São vários os casos de eclipse total do primeiro sobre o segundo, quando a subsistência tira a vida.

Na minha Terra dos Artistas, seus moradores não teriam mansões com piscina ou carros do ano, mas todos teriam público. Porque há público para todos os artistas. Quem não gosta de um tipo de livro, gosta de outro. Quem não gosta de um filme, gosta de outro e, claro, a correspondência não é um pra um. O que gosta do livro de um também gosta do livro de outros.

As pessoas têm o direito de exercer o trabalho para o qual se preparam, mas o mercado da arte é o mais cruel por não abarcar os seus profissionais na totalidade.

Parece que precisa de prêmio para poder se dizer escritor.

Ninguém vai a um médico, por exemplo perguntando se o doutor ganhou prêmio na área. Para sabermos se o médico é competente, vamos atrás de indicações, da sua formação. Ora, o mesmo pode se dar com o artista, ouça a música da pessoa pra saber se compra o CD, leia o livro, para saber se é bom.

Mas como o público poderá comparar e avaliar se o CD ou livro não é comercializado nos lojas de Cds ou livrarias?

Poderia ser menos cruel, não é?

E lá, em João Pessoa, entre 500 mulheres, algumas premiadas, outras não. Umas premiadas agora, outras há 10 anos. Entre todas, a mesma angústia de como fazer seu trabalho conhecido.

E eu, a escritora sem livro, cheguei a me sentir quase sem direito de estar ali.

Entre tantas escritoras, porque mais uma?

Por que serei mais uma?

Ora (disse de mim, pra mim) porque tenho direito de exercer meu ofício.

E porque sei que, se preciso tanto escrever o que escrevo, com certeza há quem gostará de ler.

 

[1]  No livro Aprendiz de inventor

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