Nem deuses nem insetos

Trecho de “A descoberta da América (que ainda não houve)” de Eduardo Galeano

Minha crise não se satisfez com Érico Veríssimo, fui buscar drogas mais pesadas. Reencontrei Galeano.

 Não compartilho a atitude dos escritores que se atribuem privilégios divinos não outorgados ao comum dos mortais, nem a atitude dos que batem no próprio peito e rasgam as próprias roupas pedindo o perdão público por viver a serviço de uma vocação inútil.

Esse texto é de 1976. Desconheço autores nacionais atuais que estejam pedindo perdão por serem escritores e assim, não mudarem a realidade. Isso é bom ou ruim?

Ou seja, os escritores de hoje interiorizaram qual é o papel de seu trabalho no mundo, ou estão vivendo de glórias nas suas masmorras de mármore contando dinheiro ou troféus enquanto, ao rés do castelo,  tudo desmorona?

Nem tão deuses, nem tão insetos.

Eu dizia por aí, antes de ler esse texto, que as pessoas que eu encontrava que eram escritores ou se consideravam grandes deuses ou grandes merdas. Mas eu não disse no sentido que Galeano atribuiu, e sim  entre os que achavam que escreviam muito bem e todos os demais seres humanos nunca escreveriam como ele(a), ou iniciantes na escrita com baixa autoestima – geralmente causada por oficinas dadas pelos escritores que se acham Deuses.

Claro, também tem os iniciantes que se acham Deuses. Sabe a pessoa que exige que amem a sua arte porque ela “está se expressando?” Como se explica para um ser humano que “se expressar” não é importante?

Desculpe. Reformularei. De um ponto de vista individual, de uma necessidade psicológica e subjetiva, “se expressar” é importante, claro. Mas só “se expressar” não é arte.

Os iniciantes-Deuses só não são insuportáveis de se conviver porque a empatia é imediata. Se a sociedade não fosse um lugar de mutilar subjetividades ou solapar individualidades com rolo compressor não tinha tanta gente se dizendo artista só porque “olha só escrevi algo que nem sei como veio, não parece eu”.

Miga, migo, escrever algo legal que você sinta de alguma forma destacado de você é só o início. Todo mundo que escreve passa por isso. É legal, eu sei. Curta e sinta O INÍCIO.

Mas, como disse, não foi nesse sentido que Galeano opôs Deuses a insetos, é na linha da crise da postagem anterior.

Nem tão deuses, nem tão insetos. A consciência de nossas limitações não é uma consciência de impotência: a literatura, uma forma de ação, não tem poderes sobrenaturais, mas o escritor pode ser um pouquinho mais mago quando consegue que sobrevivam, através de sua obra, pessoas e experiências que valem a pena.

Se o que escreve não é lido impunemente e muda ou alimenta, de alguma forma, a consciência de quem lê, o escritor pode reivindicar sua parte no processo de transformação: sem prepotência nem falsa humildade, e sabendo-se pedacinho de algo muito mais vasto.

Preciso não me esquecer que a literatura é uma forma de ação.

 

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