Quando se é escritor ? V

As pessoas não te veem andando pela rua e apontam “Vejam lá, aquele é um andar típico de um escritor!”

As pessoas não te ouvem palestrar e dizem “Esta é fala que caracteriza um escritor nato!”

Nem o uso de uma metáfora bem talhada ou da ironia fina arrancam exclamações de admiração crítico-literária.

Nem você mesmo se autonomeia escritora.

“Ah, rabisco aí umas coisas.”

“Sou um escrevinhador.”

“Já ganhei uns concursos literários aí…coisa pequena”

“Sou assim, uma escritora bissexta…”

E ninguém vai dizer o que você  é senão você.

Afinal,

“Ninguém pode dizer a uma criança ou adolescente se ele é ou será artista. O artista só ouve a própria voz. Nos tornamos aquilo que somos, disse outro escritor. Mas que difícil é escutar a própria voz, dizer para si mesmo: sou um artista, serei um artista.”               Vitor Ramil

Quando se é escritor? IV

A formação e o trabalho tecnicista lhe negam um futuro de escritor?

Escrever um conto no ano te faz escritor?

A falta da regularidade lhe nega um futuro de escritor?

É o livro publicado que torna seu autor um escritor?

É o desejo de escrever sempre e continuamente que te faz escritor?

É o desejo de escrever sempre e continuamente mesmo que não se esteja escrevendo sempre e continuamente que te faz escritor?

Quando se é escritor?

Quando nasce um escritor?

O que é ser um escritor?

E

o que é ser uma escritora?

Quando se é escritor ? III

Ganhar todo ano o concurso literário no ensino médio te faz escritor?

Escrever um poema por ano te faz escritor?

Lotar caderninhos e caderninhos com ideias te faz escritor?

Escrever 3 contos no ano te faz escritor?

Continuar escrevendo poemas mesmo depois dos 17  te faz escritor?

Lhe surgir no chuveiro a conexão exata da frase perfeita te faz escritor?

Ganhar concursos literários de antologias te faz escritor?

Quando se é escritor ? II

Escrever desde os 9  te faz escritor?

Terminar um livro infanto-juvenil ao 12 anos te faz escritor?

Poetar horrores na adolescência te faz escritor?

Ganhar concurso literário no ensino médio te faz escritor?

Cartas de recusa do livro dos 12 te negam um futuro de escritor?

Quando se é escritor ?

Uma colega:  “Você escreve?”

                          “Sim.”

                          “Então é escritora.”

A amiga-irmã  “Eu já digo pros outros que você é escritora.”

                          “Você disse pra quem????”

                          “Eu digo ‘Eu tenho uma amiga que é escritora…”

                           “Ah, tá.”

Minha mãe  “ Tanta gente aí que é, como chama nãoseioquetuber, que lança um livro e se diz escritor por

                          que você não pode dizer que é?”

Ah mãe…

Não publiquei.

Não escrevi com meus pares um manifesto.

Não tinha um blog.

Eu tenho um blog 2

Será que não era melhor esperar publicar um livro para ter um blog?

Mas  será que não é legal usar o blog para divulgar a publicação do livro?

Mas você vai dizer no blog que é escritora se você não tem um livro?

Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?

Mas Tostines está vendendo!!!!!!!

Enxertando uma tangente no círculo vicioso:

Eu tenho um blog!

(Será que as pessoas lembram da propaganda dos biscoitos Tostines? Aliás ainda tem biscoitos Tostines?)

Eu tenho um blog!

Eu até tenho onde expor o que eu escrevo.

Eu fiz um medium.

Eu tenho instagram.

O Instagram é espaço de imagem.

Eu sou alguém da palavra.

O Medium dá os textos na sequência.

Eu sou alguém que separa ideias em gavetas.

Se eu digo que sou escritora, as pessoas perguntam se eu tenho um blog.

Para tentar freela de redatora, querem o endereço do meu blog.

Tem aí então um status, mesmo que ninguém leia, o tal do blog.

Eu fiz um blog.

Eu nunca terei um blog!

Foi o pensamento durante muito tempo.

Porque blog é formato superado. Eles disseram!

Porque uma colega de curso de crítica da Casa das Rosas ironizou:

“Os  escritores ficam enfiados nos seus blogzinhos.“

Associei a falta da troca de ideias entre escritores aos blogs individualizados.

Tenho a ideia de um site coletivo em que quem quiser escreva.

Aí eu não ia ter um blog e só o site coletivo.

Tenho a ideia de um site coletivo e sem curadoria em que quem quiser escreva.

Por que já perguntei em vários sites de grupos de escrevinhadores se qualquer um poderia escrever pro site deles falaram que sim e era mentira.

Fui estudar como fazer sites.

Aí eu não ia ter um blog e só o site coletivo.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser  com a página inicial dele de forma que os textos chamem a atenção por si só.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser  com a página inicial dele de forma que os textos chamem a atenção por si só  e fiquem se alternando.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser  com a página inicial dele de forma que os textos chamem a atenção por si só  e fiquem se alternando e que os textos novos entrem de modo automático.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser  com a página inicial dele de forma que os textos chamem a atenção por si só  e fiquem se alternando e que os textos novos entrem de modo automático  e aí o site vai estar sempre se renovando com textos novos porque é importante que sites sempre tenham conteúdos novos senão eles morrem.

Fui estudar como fazer sites do jeito que eu entendo que esse site coletivo deve ser  com a página inicial dele de forma que os textos chamem a atenção por si só  e fiquem se alternando e que os textos novos entrem de modo automático  e aí o site vai estar sempre se renovando com textos novos porque é importante que sites sempre tenham conteúdos novos senão eles morrem,  que quando a gente é assim escritor amador iniciante tem que trabalhar com outras coisas porque essas coisas é que dão dinheiro e  a gente não tem tempo pra ficar escrevendo em site ou blog todo dia aí o blog fica parado e se fica parado não tem visualização e daí sem visualização não se tem público e daí o blog morre.

Aí eu não ia ter um blog e só o site coletivo.

Eu ainda estou estudando como fazer o site do jeito que este site coletivo tem que ser.

Eu não tenho onde expor o que eu escrevo.

Eu não tenho um blog.

A internet é um grande cemitério de ideias.

Minha cabeça é um grande cemitério de ideias.

O volume

Eu tenho lutado muito contra essa sua treinada indiferença, espécie pior que a indiferença natural. Antes eu tentava mostrar como suas atitudes me magoavam, certa de que você não percebia. Afinal, a indiferença é a insensibilidade ao que o outro precisa. É a roupa do egoísmo.

Não é fácil entender as necessidades alheias. Sair do fazer para si para amparar o outro, isto é amor. A mãe que tira do seu prato para alimentar o filho. Aquele que esquece o próprio ferimento para resgatar alguém dos escombros. Mas nem é preciso sacrifícios tão grandes. Aquele que não lê, mas presenteia com Saramago e a dona de casa impecável que permite a brincadeira no meio da sala (e com os lençóis novinhos!) também amam.

Agora, depois de compreender que você não consegue me dar isso (nem o Saramago ou lençóis novos) eu queria entender porque as minhas necessidades te incomodam. Eu, que não espero mais que você as preveja; eu que, a você, as explico. Afinal, só precisava que você abaixasse um pouco o volume da TV.

Eu consegui bolsa, seu salário não paga meu curso. As camisas estão passadas e a louça lavada. Não estou mais contando das minhas aulas, já que isso te irrita. Eu fecho a porta do quarto para estudar e você vê TV. Você assiste nesse volume absurdo. Eu já pedi pra você diminuir o volume sobre mim. Você resmunga e não diminui.

Eu fiz arranjo no serviço para trabalhar meio período e estudar de manhã, pois meu retorno meia-noite te incomodava. Deixo o menino na minha mãe aos sábados, já que você “Merece descanso e não vai ficar olhando criança enquanto eu estou folgada.” Folga eu não tenho nenhuma, mas fico quieta. E quieta fico porque quero paz. A paz não vem.

Não há criança em casa nesta tarde, fora de lugar há apenas o tênis que você deixou na sala. Você vê TV e eu tento estudar. Eu me fecho e uso tampões, pois agora sei que você não vai diminuir esse volume opressivo.

Onde eu errei para não merecer de você o silêncio da TV ou a luz acesa de manhã?

Se levanto às 5h da manhã para estudar – já que de noite tenho afazeres domésticos –você brada contra a luz acesa na cozinha, que te atrapalha o sono. Mesmo com a porta fechada, mesmo a cozinha estando tão longe do quarto.

Nunca esperei flores ou grandes jantares, eu só queria que você me desse silêncio.

Nas vezes maravilhosas em que você não está em casa, quando eu não preciso me privar da companhia do nosso filho para estudar, ele também vê TV.

Ele, só oito anos, abaixa o volume da TV. Você não diminui seu volume.

(Escrito em julho de 2012. Revisado e alterado em junho de 2017 para participar da coletânea do prosa do Mulherio das Letras 2017.)

Para a nova situação

Prova de amor maior desconheço. Até tínhamos terreno baldio perto da casa, logo na esquina, mas usá-lo para os treinamentos atrairia a atenção dos vizinhos. Então meu pai, ele mesmo, picaretou o quintal desfazendo camadas e camadas de cimento duro, há anos assentado, para fazer brotar terra.

E foram vários dias desse esforço, meu pai chegava do trabalho e debaixo de luz amarela fraca desfazia o concreto em pedaços até o horário que a tolerância ao barulho permitia. E já era um ritual dizer aos vizinhos que o piso precisou ser quebrado por necessidade de dreno. E já era um ritual dizer aos vizinhos que meu irmão estava morando com uma tia.

E era preciso porque a umidade subia da terra e crescia pelas paredes fazendo nascer pelas cascas da tinta expulsa grossos musgos e até cogumelo. E foi preciso porque meu irmão passou em prova concorrida de curso técnico da capital e não tinha condições dele ficar indo e voltando.

Como o problema era comum a todos da vizinhança, ninguém duvidou. Chegaram até a convidar meu pai para resolver o mesmo problema em suas casas. Como meu irmão sempre foi rapaz trabalhador e estudioso, ninguém duvidou. Só queriam saber quando ele vinha, para cumprimentar. E meu pai em falsas promessas e falsos fatos falava que quando terminasse de solucionar nosso terreno faria gosto em solucionar o vizinho, Mas ele esteve aí ainda este sábado, a senhora não viu não?

E eu queria ajudar, mas pai dizia que era lida muito pesada para menino. Meu irmão podia ajudar, já que aguentava dez vezes o seu peso, mas mesmo de madrugada meu pai temia que ele fosse visto despejando o entulho na caçamba alugada que esperava na calçada da casa. Então era o pai sozinho que recortava, recolhia e descartava os pedaços do nosso quintal.

Minha mãe não teve o mesmo pudor quando pediu ao mano que ele carregasse o beliche para a rua, o que ele fez com gosto de ajudar, mas não sem certa melancolia por não poder mais dormir ali. Pai ralhou. Foi às duas da manhã, ninguém viu! Mas pai estava também chateado com a desfaçatez, Ir se livrando das coisas do menino assim! Minha mãe era muito prática, argumentava que já devíamos ir arrumando tudo “para a nova situação”, que era o que ele já estava fazendo no quintal, além de aproveitar o fato do quarto agora ter maior espaço para uma cama só pra mim.

Eu queria um quarto só para mim, mas tinha dó do meu irmão. Ele já não falava, completamente transmutado, mas eu o entendia através dos seus olhos e antenas. Mal chegado da escola, já subia em seu dorso, versão nova da brincadeira de cavalinho. Ele não se cansava, passeávamos por dentro da casa toda, às vezes derrubando coisas. Seria um cachorro, se não fossem o tórax estreito, o abdômen bojudo e as seis patas.

E era como um cachorrinho que, quando o buraco do quintal ficou de tamanho suficiente, que ele manejava a cabeça distribuindo ao redor a terra que meu pai jogava com a pá sobre ele, aprendizado na nova espécie. A gente nem sabia se era assim, mas meu pai já estava em desespero, como uma formiga sozinha constrói seu formigueiro?

(Setembro de 2016)